quinta-feira, 30 de junho de 2016



EDUCAR É O MELHOR CAMINHO

n Aquele pai chegou em casa muito cansado. O dia tinha sido exausto na empresa em que ele trabalha. Ao pegar o jornal para uma pequena leitura, seu filho corre ao seu encontro e lhe pergunta - pai quanto custa um dia de trabalho do senhor? O pai que já estava cansado e esgotado, replica pedindo que o menino fique quieto e vá brincar em outro lugar. Mas novamente o garoto fala - pai, quanto custa um dia de trabalho seu? O pai desta vez mais exaltado pede aos gritos que o filho o deixe em paz. O garoto triste vai correndo para seu quarto e deita na cama muito angustiado.

Após algum tempo o pai mais calmo e com o coração apertado por ter sido muito severo com o filho, vai procurá-lo e pergunta o motivo de o menino querer saber quanto custa um dia de trabalho seu. Mas o jovenzinho agora acanhado fala para o pai esquecer o assunto, pois ele poderia ficar outra vez aborrecido. Mas o pai é quem insiste e diz - tá bom, meu dia de trabalho custa dez reais. Na mesma hora o filho dá um pulo da cama e exclama, oba! Em seguida pergunta - pai o senhor tem um real para me emprestar? E o pai tira o dinheiro do bolso e dá ao menino que sai correndo, pega seu cofrinho, tira nove reais, junta com o dinheiro que o pai acabara de lhe dar, e feliz da vida diz - toma pai, eu quero comprar um dia de trabalho seu pra você passar o dia brincando comigo. Naquele momento aquele homem preocupado com as coisas do mundo analisa o quanto tem estado distante de seu filho que tanto ama.

Desse mesmo jeito, muitos de nós, já deixamos de responder indagações de nossos filhos simplesmente por estarmos preocupados com outras coisas, que muitas vezes podem ser postergadas. Há momentos em que inconscientemente, deixamos nossos filhos horas e mais horas diante da televisão, a babá eletrônica, com sua gama de programação perniciosa, suas deletérias mensagens subliminares e novelas que só degradam a boa conduta. São inúmeros desenhos animados que só mostram violências. A mídia está cheia de publicações de baixo nível que não respeitam mais ninguém, nem a família. Para ganhar audiência as programações têm sido niveladas por baixo.

Sabemos que os dias são velozes, mas não podemos deixar de acompanhar o desenvolvimento e a educação de nossos filhos. Temos o dever de sabermos o que eles estão fazendo. Ë tão gratificante ter a sensação do dever cumprido, além de tudo as primícias da boa educação começa no lar. Não podemos imaginar um futuro sem pais e mães como educadores natos. De modo algum podemos nos privar da tarefa tão nobre que é a de criar filhos sadios e de bom caráter. Sem dúvida a melhor maneira ainda é a de sermos pais e amigos. "Educar não é cortar as asas, mas sim, direcionar o vôo".

Como afirmava o filósofo francês Rousseau: "a felicidade e o bem-estar são direitos naturais de todas as pessoas e não privilégios especiais de uma classe". Ainda segundo ele "Tudo é bom ao sair das mãos do autor da natureza; mas tudo se degenera nas mãos do homem". Em Provérbios diz: ensina a criança no caminho em que deve andar, e ela crescerá e não vai se esquecer dele.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Escola vive crise porque não dialoga com seu tempo, diz discípulo de Paulo Frei

| EDUCAÇÃO
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Por Portal EBC
Greves que se arrastam durante meses, com professores que se sentem desvalorizados do ponto de vista financeiro e do social, não se sentido reconhecidos pelo trabalho importante que desempenham, mesmo diante das mais adversas situações, como salas de aulas superlotadas, falta de materiais, infraestrutura, violência e insegurança nas escolas. O quadro do ensino público no Brasil, apesar dos muitos avanços realizados nos últimos anos, não é dos mais animadores.
Em entrevista ao programa Espaço Público, da TV Brasil, na noite desta terça-feira (12), o educador, antropólogo e folclorista brasileiro, Tião Rocha, diz que o sistema educacional brasileiro precisa ser repensado e que críticas à Paulo Freire nas manifestações em prol do impeachment de Dilma é uma demonização de uma figura vinda de uma direita que começou a mostrar a cara.
Assista o Espaço Público com Tião Rocha na íntegra:O educador, que teve a honra de trabalhar com Paulo Freire, defende que uma escola que não se prenda a currículos rígidos e estruturas físicas, mas que se baseie no afeto e na valorização do ser humano. Para ele, o modelo educacional brasileiro precisa ser repensado para se adequar às demandas da sociedade atual. “O modelo de escolarização que nós temos é incompatível com os desejos da sociedade, incompatível com o país que a gente precisa. Essa escola está para trás, ela não avançou. Ela continua indo no modelo do século XIX. Ela se parece muito com a fábrica, sistema fabril de reprodução; ela se parece com cadeia, porque tem grade”, diz ele.
Valorização dos professores
Falta de mobilização da sociedade em prol da educação
Greve dos professores e crise educacional
Desafios da escola
Plano municipal de educação
Proposta de currículo nacional comum
Caminhos para a educação no Brasil
Transformação das comunidades
Redução da maioridade penal
Paulo Freire
Críticas à doutrinação marxista nas escolas e a Paulo Freire nas manifestações

Confira alguns trechos da entrevista:
“Se for olhar do ponto de vista salarial, não há nenhum estímulo. Acho que do ponto de vista da realização pessoal, do compromisso dele [professor] com a causa é o que mantém e o que faz sentido ele se dedicar. Acho que ele não espera reconhecimento. Ele gostaria muito, eu acho que eu sinto em meio aos professores com os quais eu convivo, a vontade de mostrar a sua capacidade, seu espaço, com liberdade, com competência e que seja garantido a ele o seu trabalho, a realização do seu ofício. Agora, essa questão da remuneração, da realização, é uma luta inglória, que vai demorar. E acho que não é tanto o professor lutar, é o reconhecimento da sociedade que esse cidadão tem uma importância fundamental na vida de todos nós. E o dia que isso acontecer, a greve vai acontecer de forma diferente: quando os professores pararem, os pais dos alunos vão estar ao lado deles. Essa adesão é que é importante para lutar por um causa.”
“Acho que o povo, todos nós queremos educação e os pais querem a melhor educação para os seus filhos. Mas eles não conseguem perceber que as escolas garantem isso. Essas escolas estão fechadas em si, estão em descompasso em relação às necessidades dessas pessoas. Eu sinto isso em situações de escolas que são depredadas. Recentemente em Belo Horizonte, 104 escolas foram depredadas, houve uma reunião, chamaram a polícia para resolver, eu participei de uma dessas reuniões, e falei ‘por que é que a polícia está resolvendo a questão da educação?’ e eles disseram ‘não, é o problema da violência contra as escolas, a segurança das escolas’. Eu fiz a seguinte pergunta: ‘no bairro onde as escolas foram depredadas, as igrejas também foram depredadas?’ Não. Por que uma comunidade deixa quebrar uma escola e não quebra uma igreja, se as duas são importantes? É que numa ela vê sentido, faz sentido, nem que prometa a fé, e o paraíso entrega depois em prestações, não sei como vai ser. Outra não consegue realizar. Os pais veem que a escola não dá aos filhos aquilo que gostariam. Esse descompasso é um grande problema.”
Você tem professores comprometidos com uma causa e ter um modelo educacional fechado em si mesmo, ensimesmado, descomprometido, anacrônico, com uma grade curricular – grade, cadeia. Escola ainda tem uma figura que chama disciplinário. Há uns anos eu falei que a única escola que eu conhecia nesse país e que nunca teve greve, evasão, briga, confusão, segunda época – disseram não existe. Eu falei existe: é a escola de samba. Já viram greve em escola de samba? Crise na escola de samba. As pessoas ficaram muito indignadas porque achavam que eu estava descomparando. Disseram ‘não, escola de samba é uma bagunça’. Eu disse ‘escola de samba não tem disciplinário, tem diretor de harmonia’. Nós estamos falando de outra coisa, é outra lógica. [Escola de samba] tem compasso e tem as pessoas envolvidas por uma causa, um sentindo, convoca as pessoas para alguma coisa. O que eu percebo nisso, com todo horror que essa greve [em Curitiba], esse movimento teve, jogando bombas e pitbulls para cima dos professores, absolutamente um absurdo total, é que precisamos repensar [a escola]. O modelo de escolarização que nós temos é incompatível com os desejos da sociedade, incompatível com o país que a gente precisa. Essa escola está para trás, ela não avançou. Ela continua indo no modelo do século XIX. Ela se parece muito com a fábrica, sistema fabril de reprodução; ela se parece com cadeia, porque tem grade; ela se parece com um quartel, porque é tudo em ordem, hierarquizada; ou às vezes se parece com um hospício, absolutamente esquizofrênica. Como é que ela sai disso? Ela tem que romper com esse pensar e ir para outro lado: pensar em educação.”
“Educação só existe no plural, não existe no singular. Para que haja educação são necessárias no mínimo duas pessoas: eu e o outro. E educação não é o que cada um tem, mas aquilo que eles trocam, então é aprendizagem. É possível fazer educação em qualquer lugar, mas é impossível fazer boa educação sem bons educadores. Se você tiver bons educadores, você faz boa educação em qualquer lugar. Não é a questão do espaço físico. Se nós tivéssemos esses bons educadores comprometidos com o destino desses meninos, nós poderíamos aproveitar todos. Qual que é o grande desafio? É formar bons educadores. E o outro desafio da escola é que toda escola deveria ter o compromisso ético de dizer ‘nós não podemos perder um’. Nenhum a menos. Que todos os meninos que entrarem na escola deveriam aprender, no seu ritmo, tudo o que eles precisam para serem cidadãos. [Isso] ia mudar a perspectiva. Ela ia olhar para a criança, pelo potencial da criança, e dar para ela no seu tempo, no seu ritmo. O que não pode é o menino chegar na escola e a escola já estar pronta há 500 anos, não importa de onde eles venham. Então, meu manequim é 40, mas eu uso 42 ou 38. Corta o braço, companheiro! Você tem que se encaixar num modelo, numa fórmula, numa forma. O problema é que essa forma está tão cristalizada, que vira formol.”
“A elaboração dos planos é muito fechada. Não há uma convocação para que as pessoas discutam como é que gostariam que seus filhos fossem educados. O que eu percebo é que quando os pais percebem que aquela escola está fazendo a diferença na formação dos seus filhos, eles são os primeiros a lutar por ela. Construir esse link é o desafio. Precisava quebrar isso e trazer a comunidade para discutir essa escola. Há 30 anos eu me perguntava se era possível a gente fazer educação sem escola ou se era possível fazer boa educação debaixo do pé de manga. E eu descobri que é possível, sim, fazer boa educação sem escola, que é possível fazer boa educação debaixo do pé de manga.
“Eu acho que é bom e é um perigo. É um perigo por que se isso vira uma norma para fazer um modelo para ser repassado como regra, você vai cristalizar e você vai uniformizar. E se uniformiza, você perde a grande riqueza desse país que se chama diversidade. Nós somos únicos porque somos diferentes. Então, a mesma lógica não pode ser a de enquadramento de todo mundo no mesmo padrão. Se nós pensarmos do ponto de vista de um plano nacional que leve em consideração que nós não podemos perder nenhum, que todos os meninos devem aprender no seu tempo, que a escola tem que garantir isso, a sociedade tem que garantir isso, aí sim nós temos uma base curricular que garanta que esse menino vai aprender.”
“Eu acho que a gente precisa estabelecer alguns desafios, a gente tem um que eu ouvi recentemente que é pensar o Brasil como Pátria Educadora. (…) Isso não pode ser um slogan. Eu não estou falando de povo, de governo, estou falando de pátria. (…) Se nós pensarmos nessa pátria e a pátria amada seja educadora no sentido pleno, como é que a gente faz para que todo um movimento vá nessa direção? É convocar as pessoas para uma causa. Nós somos movidos por bandeiras”.
“A mudança do olhar é a mudança do paradigma. Nós fomos acostumados a olhar a comunidade pelo lado vazio copo e medir o IDH [Índice de Desenvolvimento Humano]. Há muitos anos que eu digo não meça o IDH. Eu não quero chegar na comunidade e olhar o lado de carência. Carentes somos todos nós. Eu olho pelo IPDH – Índice de Potencial de Desenvolvimento Humano que está lá. (…) Quando eu olho para a comunidade pelo lado cheio do copo, é isso o que garante a ela desenvolvimento e transformação. Porque a transformação é de dentro para fora. Não é de fora para dentro. Essa mudança de perspectiva é fundamental e quando ela acontece, você percebe nas pessoas isso.”
“Vejo isso como um equívoco, uma visão de uma miopia tremenda. É um retrocesso. Mas eu também sou a favor da redução [da maioridade penal] se no dia em que nós esgotarmos todos os nossos recursos e possibilidades para não perder nenhum menino, que as escolas nossas cumprissem sua função social plena, ou seja, não deixar nenhum para trás, o dia que isso se esgotar, aí eu sou a favor da redução da maioridade [penal]. Mas, como isso não foi feito ainda, se nós pegarmos o Estatuto da Criança e do Adolescente, que não foi cumprido ainda, nada, fundamentalmente, porque lá está estabelecido que ele é a garantia, privilégio, o fator fundamental a essa criança e nós não garantimos isso, nem nas nossas práticas, nem na nossa conduta. Então, não adianta. Se nós não cumprirmos enquanto adultos gestores esse compromisso, não adianta querer mudar para baixar [a maioridade penal], porque é tirar da gente a responsabilidade enquanto sociedade. Acho isso um equívoco, porque nós estamos querendo é diminuir o nosso peso, o nosso ônus e jogando a culpa neles [meninos] o resultado do fracasso. Esse é o grande problema: é quando os meninos sentem que não conseguem crescer porque a culpa do fracasso dentro da escola é dele e não da escola ou da sociedade. Aí a autoestima vai baixando e chega no nível de autodesprezo. E no autodesprezo, companheiro, não tem solução. No autodesprezo o cara cai num buraco sem fundo. Então, por que os meninos vão cair no mundo das drogas e não sei o quê? Porque caiu no autodesprezo. A menos valia da vida, menos sentido. Não permitir isso é fundamental. Quer dizer, se nós não fizemos ainda nem o bê-á-bá, nós não podemos fazer isso, reduzir a nossa culpa nesse processo.”
“Eu tive o privilégio de conhecer e conviver [com o Paulo Freire]. Nós participamos de um projeto, onde ele era o coordenador em Poços de Caldas (MG), uma convocatória da cidade para analfabetismo zero, e ele era o mentor. Foi na volta dele [ao país], depois ele estava em Campinas (SP), era professor em Campinas. A gente queria discutir a obra dele e estav discutindo um texto do Antonio Cícero de Souza, que é um lavrador do sul de Minas falando sobre educação. E ele dizia assim: ‘o que o Ciço falou em quatro horas, eu passei 40 anos para escrever’. E a gente ficava assim [admirada], pois ele era um cara que ouvia um trabalhador e começava a pensar. Ele foi o ser humano para mim, do ponto de vista ético, equilibrado, de uma bondade e generosidade para ouvir, com a voz tranquila e era muito bom, porque não fugia de nenhuma questão. Então eu tive o privilégio de trabalhar com ele.”
“Ele [Paulo Freire] sempre foi ligado aos movimentos populares, de esquerda, que tinham um compromisso com a transformação social e com a equidade. Então, eu acho que é uma espécie de demonização disso [vindo] de uma direita que começou a mostrar a sua cara. Eu acho que é um direito que eles têm [protestar]. Na prática, no nosso trabalho, há 30 anos, eu falo que, ao contrário do evangelho de São João, que o verbo se fez homem, eu falo que, no caso do Paulo Freire, o homem se transformou em verbo. Então, há 30 anos para nós o Paulo Freire virou um verbo, que é conjugável e conjugável só no presente do indicativo: eu ‘paulofreiro’, tu ‘paulofreiras’, ele ‘paulofreira’, nós ‘paulofreiramos’, vós ‘paulofreiras’, eles ‘paulofreiram’. Não existe o ‘paulofreiraria’. Fazer ‘paulofreiragem’ é usar todo esse recurso: o outro, o amor ao próximo, a dignidade, o desenvolvimento das pessoas, é o ser político, integral, é o compromisso ético. Não é um método, é uma inspiração fantástica. E quando eu vejo esse negócio [críticas a Paulo Freire nas manifestações], cada vez mais eu quero conjugar esse verbo e transformá-lo em algo concreto.”
A preocupação com a educação como elemento de transformação social levou Tião Rocha a desenvolver a chamada “pedagogia da roda”, uma experiência inovadora com seguidores em vários estados brasileiros e em países, como Moçambique, Angola e Guiné-Bissau, na África, na qual o foco e a matéria-prima de todo processo de aprendizagem são as pessoas, “seus saberes, fazeres e quereres”, como o educador costuma dizer. Com vários livros publicados e prêmios recebidos, ele também é o idealizador e presidente do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD), na cidade de Curvelo, em Minas Gerais, uma organização sem fins lucrativos que atua na área de educação popular com foco na qualidade e no desenvolvimento comunitário sustentável

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Agnaldo Barros de Lima

Desmatamento Zero

A vida como conhecemos não existiria caso florestas como a Amazônia deixassem de existir. Além do evidente prejuízo à biodiversidade, sem floresta não há água, nem produção de alimentos. Sem floresta também não há ar puro e ficamos mais vulneráveis a catástrofes climáticas. Mas nossa florestas continuam sendo destruídas. Para acabar de vez com esse problema, que tem grave consequências para a sociobiodiversidade local, para o sistema de chuvas do País e para o futuro do planeta, lançamos uma nova fase da campanha para levar ao Congresso um projeto de Lei de Iniciativa Popular que coloca o Desmatamento Zero como regra no Brasil. Para que isso aconteça, precisamos obter pelo menos 1,4 milhão de assinaturas de eleitores brasileiros, além de gerar um grande movimento nacional em defesa das florestas para garantir sua aprovação. Essa iniciativa já conta com o apoio de mais de um milhão de brasileiros. Estamos na reta final, falta pouco para esse momento acontecer. 

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Neoliberalismo, sistema educacional e trabalhadores em educação no Brasil


As condições de vida e de trabalho dos trabalhadores em educação se degradaram muito nos últimos anos. Não se trata, é claro, de um processo unilinear e que atinja a todos por igual. Os professores e demais funcionários em educação vivem, no Brasil de hoje, situações muito diferentes. O Brasil não possui um sistema escolar único, ao contrário do que ocorre nos países de Estado de bem-estar, que têm um sistema estatal (isto é, público), gratuito e laico. Aqui, temos escolas e universidades públicas e privadas, laicas e confessionais, e muitas diferenças no interior de cada uma delas. De qualquer modo, a situação amplamente majoritária no ensino brasileiro é de remuneração insuficiente aos trabalhadores, condições de trabalho péssimas ou inadequadas e desprestígio do trabalho docente junto aos governos, à imprensa e a parte da sociedade.
Seria importante fornecer dados sobre a situação apresentada acima. Mas, não faremos isso aqui. Queremos destacar que a degradação dos trabalhadores em educação não é uma exceção no cenário brasileiro atual. O conjunto das classes trabalhadoras brasileiras têm vivido, desde a implantação do modelo capitalista neoliberal, a degradação de suas condições de vida e de trabalho. Esse modelo capitalista tem reservado para os trabalhadores do setor privado o desemprego crescente e prolongado, o emprego informal, sem direitos e mal remunerado, a redução ou supressão de direitos e o declínio da média salarial. Muitos desses sinais dos novos tempos já são amplamente visíveis no ensino privado. No setor público, o arrocho salarial, já antigo, foi reforçado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, a precariedade foi implantada pela Reforma Administrativa e a insegurança pelo terrorismo previdenciário das sucessivas reformas, oficiais e oficiosas, da previdência.As más condições de vida e de trabalho no setor da educação, apesar de suas especificidades, fazem parte, portanto, de uma situação geral vivida pela grande maioria dos trabalhadores brasileiros.
O subtítulo de nossa conferência traz a frase “por uma política de valorização profissional”. Pois bem, nós julgamos que essa política, entendida como um conjunto de medidas amplo e duradouro, que recupere salário, condições de trabalho e formação permanente, que atinja o conjunto dos trabalhadores em educação e que esteja apoiada num sentimento social generalizado de que é importante para o país a atividade docente de ensino e pesquisa, nós entendemos que uma tal política de valorização profissional é impossível dentro do modelo capitalista neoliberal implantado no Brasil ao longo da década de 1990. Nesse modelo, os trabalhadores, aí incluídos os trabalhadores em educação, serão sempre desvalorizados. Vejamos porquê.
A necessidade de mudar o modelo capitalista implantado no Brasil
Antes da implantação do modelo capitalista neoliberal, processo iniciado com a posse de Fernando Collor de Melo na Presidência da República em março de 1990, o Estado brasileiro, no plano da política econômica, era um Estado desenvolvimentista. Mais ainda, até o golpe militar de 1964, esse desenvolvimentismo esteve vinculado à política social populista, e isso, principalmente, no período 1943 a 1964. O desenvolvimentismo e o populismo visavam a reformulação da antiga divisão internacional do trabalho, a industrialização do Brasil e a implantação, ainda que restrita e segmentada, dos direitos sociais. Essa era a política geral do Estado brasileiro.
Foi o poder de Estado constituído com a Revolução de 1930 que propiciou esse modelo. A burocracia de Estado e a burguesia industrial interna tinham um papel central no bloco no poder e apoiavam-se, politicamente, em amplos setores dos trabalhadores urbanos para poder contornar ou vencer os diversos tipos de resistências que as antigas oligarquias e o imperialismo norte-americano contrapunham à política de desenvolvimento do capitalismo industrial. É um erro histórico afirmar que os EUA tinham interesse na industrialização brasileira. O governo e os capitais americanos resistiram à política de industrialização de Vargas e de JK. Aderiram a ela depois que ela se tornou um fato, estimulada, principalmente, por capitais europeus.
Esse projeto de desenvolvimento econômico e as condições políticas nas quais ele era implementado, que o tornavam dependente de um certo apoio popular, estimulavam muito o desenvolvimento de um sistema escolar público, gratuito e laico, desde o ensino fundamental até a universidade, e estimulavam, também, um mínimo de pesquisa científica e tecnológica independente. A indústria precisava qualificar a força de trabalho operária, os quadros administrativos, a mão-de-obra técnica, e precisava  também de infraestrutura e de pesquisa tecnológica nacional; o Estado populista precisava integrar os trabalhadores urbanos, objetivo que exigia a ampliação do ensino público, gratuito e laico. Como se sabe, essa foi a época, não da implantação, mas da expansão da rede de escolas públicas e da criação da rede de universidades federais e, em alguns casos, estaduais. Foram também criados muitos institutos de pesquisa vinculados ao Estado. Os interesses e as expectativas apontavam para um projeto político de desenvolvimento de um capitalismo de base minimamente nacional com um mínimo de direitos sociais e de distribuição de renda.
Na eleição de 1989, ao optar por Fernando Collor de Melo, a burguesia brasileira, em parte por opção própria, em parte por pressão externa e em parte ainda por medo da candidatura de esquerda da Frente Brasil Popular, decidiu substituir o modelo capitalista desenvolvimentista pelo modelo capitalista neoliberal. Do populismo, a burguesia brasileira já havia se livrado em 1964. Restara, contudo, o desenvolvimentismo, mantido pelos governos militares durante o período da ditadura. Essa política econômica era o último resquício da Revolução de 1930. Ela também foi jogada ao mar. A substituição do desenvolvimentismo pelo modelo capitalista neoliberal, aliada às dificuldades crescentes do movimento operário e popular na década de 1990, levou ao declínio da escola pública, à privatização do ensino, à conversão da educação em mercadoria e à mudança no perfil da universidade. Muitos não se lembram, mas o Ministro da Educação Paulo Renato afirmou, no início do primeiro governo FHC, em entrevista à revistaExame, que a universidade estava se tornando supérflua, que poderia ser substituída pela prática de enviar alguns estudantes para fazerem curso superior no exterior e pelo uso da internet. Tal declaração de ignorância fazia parte do clima do neoliberalismo montante, fase em que seus porta-vozes podiam se dar ao luxo de serem mais sinceros. É esse conjunto de mudanças na educação, mudanças decorrentes elas próprias de uma mudança política e econômica mais geral como indicamos, que altera a importância e o perfil dos trabalhadores em educação.
Ao longo da década de 1990, mudou o funcionamento da economia capitalista no Brasil, mudaram os objetivos da política de Estado e mudaram a posição política e o poder econômico dos diferentes setores da burguesia brasileira. Não vou entrar em detalhes naquilo que já é conhecido de todos. Serei breve.
O Estado brasileiro promoveu uma ampla abertura comercial e uma também ampla desregulamentação financeira que, articuladas, concorreram para o aprofundamento da dependência da economia brasileira frente ao capital financeiro internacional. Um aprofundamento da dependência que é, ao mesmo tempo, uma relativa alteração nos termos dessa dependência. Hoje, o funcionamento do capitalismo brasileiro está dependurado no fluxo de ingresso de capital financeiro internacional, que permite o fechamento das contas externas, fluxo esse mantido graças a uma atrativa (para o capital especulativo) e destrutiva (para os trabalhadores e para a produção interna) política de juros altos. A produção industrial interna foi submetida à concorrência internacional e assistimos ao fenômeno da desindustrialização, caracterizada pela redução da participação do produto industrial no conjunto da economia, pela mudança no perfil da indústria, com o aumento relativo da produção industrial ligada ao setor primário, e pela desarticulação das cadeias produtivas. Grande parte da indústria que cresceu ou foi implantada nesse período, é uma “indústria” de montagem – apenas monta o produto final utilizando componentes que são, fundamentalmente, importados. A concorrência internacional e a política de juros altos provocaram uma nova onda de internacionalização do parque produtivo nacional. Foram drasticamente reduzidos, graças à política de privatização e de desenvestimento público, o setor estatal produtivo e de serviços (infraestrutura, comunicações, transporte etc.).
Abandonando o desenvolvimentismo, burguesia e o Estado brasileiro abandonaram qualquer veleidade de implantar um capitalismo nacional e, adotando a política social do neoliberalismo, cuja característica fundamental é a redução e a supressão de direitos sociais, não possui tampouco interesse em integrar, sequer de modo restrito segmentado, os trabalhadores à riqueza produzida. Nesse novo quadro político, a escola, a universidade e os trabalhadores em educação perdem importância como elementos de um projeto nacional e popular. Gasto público com educação é visto assim mesmo: como gasto. O que foi herdado do período desenvolvimentista e populista é, do ponto de vista do modelo econômico atual, uma herança inútil e dispendiosa. Os museus universitários, os laboratórios, as pesquisas, as bibliotecas sofisticadas – tudo isso é algo do que é preciso se livrar. O modelo capitalista neoliberal na periferia funciona a partir de fora, com tecnologia e produtos importados. Ele não necessita de tecnologia e nem de produção científica nacional. Basta uma mão-de-obra medianamente formada, o que pode ser obtido por qualquer instituição de ensino de terceiro grau – que é a denominação mais adequada para a nova safra de “universidades”.
A educação passou a ser funcionar e a ser vista, do lado do aluno cliente, como um investimento privado do indivíduo e, do lado do empresário do setor, como uma área para a acumulação de capital. Nas escolas reservadas aos estudantes de alta renda, o aluno é o cliente, o professor, um prestador de serviço educativo remunerado pelo cliente e a relação entre ambos é um assunto para o Procon. O resto é discurso vazio. Nas escolas públicas da periferia, o professor e demais funcionários partilham, com a população local, todas as desgraças e violências oriundas do novo modelo capitalista periférico. Como é possível, nesse quadro, valorizar o profissional em educação? É por isso que eu estou dizendo que a valorização dos trabalhadores em educação requer a mudança do modelo econômico. Não nos enganemos com o discurso ideológico do governo e da grande imprensa sobre a importância da ciência e da educação. Tampouco nos devemos deixar embalar pelas “sofisticadas” análises sociológicas que falam da necessidade que teria o capitalismo brasileiro de desenvolver a ciência e a tecnologia. Como é possível acreditar nesse discurso, quando sabemos o que está acontecendo com a educação e com os trabalhadores em edeucação? É necessário menos “sofisticação” de sociólogo e um pouco de astúcia. A apologia vazia da educação, sem qualquer conseqüência política prática, essa apologia visa, de um lado, encher os bolsos dos empresários do ensino, incitar os jovens a comprar um diploma como se comprassem um passaporte para o futuro, ludibriá-los com uma mercadoria falsificada, e, de outro lado, essa apologia vazia da educação serve também  para desviar todos os trabalhadores da luta pela mudança do modelo econômico e social.
O modelo capitalista neoliberal e periférico promoveu importantes mudanças na burguesia brasileira. Essas mudanças precisam ser conhecidas se se quiser ter uma estratégia realista de luta pela valorização dos trabalhadores em educação. Alguns setores da burguesia se tornaram mais fortes e influentes, outros perderam terreno e surgiram também setores novos.
O capital bancário, nacional e estrangeiro, cresceu, tornou-se mais forte e mais influente. É ele que tem interesse direto na manutenção de taxas elevadas de juros. A grande burguesia industrial interna percorreu o caminho inverso. Teve seus lucros reduzidos relativamente aos bancos devido à abertura comercial e à política de juros altos e perdeu influência política no Estado brasileiro. Diante desse declínio, poderíamos recordar o ditado popular: nada como um dia após o outro. Essa fração da burguesia está, pelo menos em parte, pagando o preço por ter rompido com a frente populista em 1964 e por ter usado o protecionsimo alfandegário para se proteger não só do concorrente estrangeiro mas também do consumidor nacional. Um grande trunfo de que dispunha, nos anos 50 e 60, a burguesia industrial para disputar com as demais frações burguesas o controle da política econômica do Estado brasileiro era o fato de a indústria ser motivo de “orgulho nacional”. Tendo a indústria cortado todos os vínculos políticos e ideológicos que a aproximavam de parte dos trabalhadores urbanos, foi fácil apresentá-la como um “cartório” (Collor) que produzia mercadorias de má qualidade a preços exorbitantes (“não produz carros, mas carroças”, Collor de novo) e contornar suas resistências à abertura comercial proposta pelo neoliberalismo para os países periféricos – nos países centrais, os Estados aplicam o neoliberalismo sem abrir mão do protecionismo. A Fiesp não tem, hoje, a influência que tinha no Estado brasileiro nas décadas de 1960 e 1970.
Outro setor burguês afetado foi a antiga burguesia nacional de Estado - os burocratas que controlavam as grandes empresas públicas. A política de privatização levou esse setor nacional da burguesia interna ao declínio. Esse setor era uma das bases sociais mais importantes do nacional-reformismo burguês no Brasil. O seu declínio aprofunda o processo de integração da grande burguesia brasileira ao capitalismo internacional. Por último, há um setor relativamente novo da burguesia brasileira que cresceu muito graças ao modelo capitalista neoliberal e aumentou seu poder econômico e sua influência política. Trata-se de um setor que diz respeito diretamente aos trabalhadores em educação. Estou me referindo àquilo que eu denomino a nova burguesia de serviços –as empresas que exploram a educação, a saúde e a previdência privada.
A nova burguesia de serviços é aquela fração da burguesia brasileira que cresce graças ao recuo do Estado na área dos serviços e dos direitos sociais. Essa fração da burguesia é um dos setores mais reacionários da classe dominante hoje. Isso porque o seu crescimento resulta, e só pode resultar, da manutenção de uma política ultra-reacionária de supressão e redução dos direitos sociais. Um governo reformista, por mais tímido que seja o seu reformismo, necessitará desmercantilizar os direitos e serviços sociais na área da educação, da saúde e da previdência e, desse modo, poderá ferir de morte essa nova fração da burguesia. Daí o seu reacionarismo. Precisamos - nós trabalhadores em educação – observar atentamente o movimento dessa fração burguesa. Analisar seus interesses e sua ação junto ao Estado, nos órgãos burocráticos e no parlamento. Entender que são interesses burgueses e poderosos que sustentam, hoje, esse modelo educacional, e não uma suposta miopia dos membros da equipe governamental.
Tiremos uma conclusão. Todas as mudanças ocorridas até aqui no seio da classe dominante tornaram a grande burguesia brasileira um bloco mais reacionário, mais integrado ao capitalismo internacional e mais coeso politicamente. A burguesia brasileira ficou mais internacionalizada, cresceu a sua parte rentista, improdutiva, e a sua unidade política se fortaleceu. Nos oito anos de governo de FHC, pela primeira vez desde 1945, deixou de haver um partido burguês de oposição. A UDN foi a oposição burguesa ao desenvolvimentismo e ao populismo. O MDB foi a oposição burguesa, ainda que conciliadora, ao regime militar. Contrastando com esse passado político recente, durante os oito anos de mandato de FHC todos os partidos burgueses apoiaram ativamente o governo e a política neoliberal. É preciso ser realista. Todas essas mudanças na classe dominante são desfavoráveis para o movimento popular, dificultam a sua luta e diminuem os espaços disponíveis. Apenas no decorrer de 2001 e 2002, a frente partidária que sustentou os dois governos de Fernando Henrique Cardoso dá sinais de que pode rachar, devido às disputas entre o PMDB, o PFL e o PSDB.
Com quem podemos contar e alguns dos obstáculos que nos esperam
Para construirmos um sistema educacional único, público, laico e gratuito, que contribua para a independência tecnológica e científica do país e para a integração das massas populares ao mundo da ciência e da cultura, é preciso implantar um novo modelo econômico. E o único caminho para implantar esse novo modelo econômico é a luta dos trabalhadores. Não estamos afirmando com isso que não haja mais nenhum espaço para a resistência localizada a medidas antipopulares do governo na área educacional e para a luta por conquistas parciais. É possível se obter algo dentro do modelo econômico existente. Mas, esse algo sempre será pouco e incerto. A orientação correta, portanto, é unir as lutas parciais a uma luta política geral pela supressão do modelo capitalista neoliberal e periférico.
Mas em que condições se dá essa luta hoje? Qual é a sua força? Quais são as dificuldades que ela enfrenta?
Vimos que uma dificuldade importante diz respeito ao fato de a burguesia ainda estar politicamente unida numa ampla frente conservadora favorável ao neoliberalismo. Vejamos agora o que se passa no campo das classes trabalhadoras. A degradação das condições de trabalho e de vida da maioria dos trabalhadores tem provocado reação popular. Em diversas frentes, os trabalhadores lutam contra o modelo econômico implantado ao longo da década passada e já acumularam forças nessa luta. Um sintoma recente e importante dessa acumulação foi o resultado, muito desfavorável para o governo, das eleições municipais do ano 2000. Porém, a despeito da situação econômica prejudicial para os trabalhadores, há muitas dificuldades para organizar a luta dos trabalhadores contra esse novo modelo capitalista. As organizações de esquerda e os intelectuais críticos têm, a nosso ver, cometido o erro de ignorar os trunfos de que dispõe o neoliberalismo frente ao movimento popular no Brasil. Idealizar as nossas forças não contribui em nada para a elaboração de uma estratégia política eficiente.
Tentemos passar em revista alguns movimentos e lutas sociais da atualidade, para conhecermos seus trunfos e suas debilidades.
No importante terreno do movimento sindical, temos a primeira “surpresa desagradável”. Uma parte do sindicalismo aderiu abertamente ao modelo neoliberal. A Força Sindical (FS) defende as privatizações e a redução de direitos sociais e trabalhistas. Atualmente, tem feito campanha a favor do projeto de lei do executivo federal que livra a empregador de cumprir as normas protetivas do trabalho presentes na CLT, bastando para isso obter um aval do sindicato do seu setor. Podemos prever que esse aval será fácil de se obter em grande parte da economia. O Brasil possui um número exorbitantes de sindicatos, cerca de 20.000. Para termos uma idéia do que representa esse número, basta lembrar que países de sindicalismo bem mais forte que o nosso, como a Inglaterra, os EUA e a França, possuem menos de 1.000 entidades sindicais. O modelo brasileiro é um modelo sindical cartorial, onde a unicidade sindical estabelecida em lei e as contribuições financeiras obrigatórias garantem a sobrevivência de qualquer sindicato, seja ele representativo ou não, e permite a manutenção de qualquer pelego. Não é difícil imaginar, dentro desse modelo sindical, o que acontecerá se o projeto do governo para a CLT, que, em resumo, estabelece que o negociado prevalece sobre o legislado, chegar a ser aprovado no Congresso Nacional: os empregadores obterão da maioria dos sindicatos brasileiros o aval de que necessitam para retirar os direitos dos trabalhadores. A Força sindical, além de defender a desregulamentação do mercado de trabalho, defendeu também a privatização das empresas públicas e o fez de modo ativo e militante, formando os “clubes de investimentos” que atraíram os funcionários daquelas empresas para a proposta de privatização. Essa posição conservadora da FS é também a posição de outros agrupamentos sindicais de menor importância, como a denominada Social Democracia Sindical (SDS), que reúne algumas centenas de sindicatos pelegos e de carimbo pelo Brasil. O sindicalismo brasileiro, portanto, não está unido na oposição contra o novo modelo.
A parte mais combativa do movimento sindical, representada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), é oposição ao modelo capitalista neoliberal. Ainda neste mês de abril de 2002, vimos que a CUT organizou um muito bem sucedido dia nacional de greve e de manifestações contra o projeto de lei do governo que altera a CLT. Ademais, a CUT tem se posicionado contra a política de privatização e de abertura comercial. De resto, é importante frisar que essa “parte sã” do sindicalismo brasileiro é muito mais organizada e representativa que todas as demais centrais sindicais juntas. Mas, é necessário reconhecer que a combatividade que a CUT exibia na década de 1980 foi substituída por uma atuação mais moderada. Na década de 1980, a CUT deu grande importância à ação sindical de massa, unificada nacionalmente, contra a política econômica do Estado brasileiro. Foram expressão dessa linha as cinco grandes greves nacionais de protesto organizadas naqueles anos - que atingiram, duas delas, a marca de mais de vinte milhões de grevistas – e a mobilização popular que a CUT organizou para pressionar a Assembléia Nacional Constituinte a aprovar leis favoráveis aos trabalhadores. Na década de 1990, ao contrário, o sindicalismo cutista refluiu para uma ação localizada, fragmentada por setor econômico e por empresa, e, nutriu a ilusão de que seria possível substituir a luta por propostas tecnicamente sofisticadas que seriam aceitas por empregadores e pelo governo. Essa foi a linha do sindicalismo propositivo que felizmente, hoje, começa a dar sinais de esgotamento.
Vejamos a situação dos trabalhadores rurais. Aqui, o movimento mais combativo e importante, como todos sabem, é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, o MST. Esse movimento manteve, ao longo da década de 1990, as bandeiras e ações mais combativas. Na verdade, ao longo dos anos 90 o MST substituiu a CUT como referência central do conjunto do movimento popular. Mas, o MST encontra-se, nesse início da década de 2000, em dificuldades crescentes e talvez num certo refluxo. O número de ocupações de terra promovidas pelo MST tem caído. Isso é decorrente de uma série de ações do governo e de problemas do campo popular e oposicionista. Novas leis foram aprovadas que impedem a desapropriação de terras ocupadas, o que diminuiu a eficácia da principal forma de luta dos sem-terra. O governo criou, também, o Banco da Terra, com dinheiro oferecido pelo Banco Mundial. É uma proposta, quantitativamente limitada, de mercantilizar a reforma agrária, mas que ilude muitos trabalhadores rurais. Tanto mais porque essa proposta conta com o apoio ativo e organizado da Força Sindical, que criou a Força da Terra para fazer a ponte entre a política do governo que visa dividir o movimento dos camponeses e os sindicatos de trabalhadores rurais. Por último, com o deslocamento do PT e da CUT para posições mais moderadas, o MST passou a padecer de um certo isolamento no campo das organizações populares, o que tem facilitado a política do governo que quer destruir esse movimento. Mas, ressalvemos o essencial: o MST continua em pé, tem grande força e combate o capitalismo neoliberal.
Um movimento que tem crescido muito nos últimos anos é o movimento popular pela moradia. Ele está presente em muitas capitais brasileiras e reúne diversos tipos de trabalhadores – operários, trabalhadores de escritório, funcionários públicos – cujo fator de união é o problema da moradia. São trabalhadores que habitam em cortiços e favelas, que foram despejados pelos seus senhorios ou se encontram ameaçados de despejo. Trata-se de um movimento mais fragmentado, menos centralizado que aqueles que citamos anteriormente, mas que possui uma organização que procura unificá-lo: o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). A luta pela moradia é um movimento que alguns estudiosos denominam “movimentos de urgência” que, justamente devido à urgência de sua reivindicação, lançam mão da ação direta como meio de luta. O movimento dos sem-teto tem ocupado edifícios públicos e privados nas grandes cidades brasileiras e tem obtido algumas vitórias na luta pela moradia. É um movimento importante e que pode crescer. Outros movimentos que mereceriam uma análise mais detida são os movimentos ligados diretamente à educação. Os estudantes têm lutado pelo controle das mensalidades na escola e na universidade privadas, mas essa luta ainda está incipiente e não trouxe grandes resultados. As mensalidades estão liberadas desde o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso e continuam assim. Há movimentos pipocando, aqui e ali, como em Santos, em Sorocaba, na Zona Leste da cidade de São Paulo, pela criação de novas universidades públicas. Esses movimentos obtiveram algum avanço, mas tudo é ainda muito inicial.
Não temos a intenção de passar em revista o conjunto dos movimentos populares existentes no Brasil. Os movimentos que citamos já são suficientes para destacarmos duas conclusões. A primeira, mais geral, é que os trabalhadores brasileiros não estão passivos diante do neoliberalismo. Eles dispõem de organizações fortes e combativas (CUT, MST, MTST, UNE) que estão, de modos distintos, resistindo à política neoliberal. A segunda conclusão é que o movimento popular não está suficientemente unido na luta contra o neoliberalismo. Isso é indicador de algo que a maioria dos intelectuais críticos e dos partidos de esquerda reluta em admitir: existe uma hegemonia ideológica da burguesia brasileira hoje, obtida graças à plataforma neoliberal. É importante reconhecer e analisar essa hegemonia, pois disso depende a localização de lacunas e equívocos na plataforma e na luta dos movimento populares, localização essa que é o primeiro passo para resolver tais problemas.
O neoliberalismo obteve algo que poderíamos denominar uma hegemonia regressiva. Isso porque, ao contrário das situações clássicas de hegemonia burguesa, nas quais a burguesia recua e faz concessões importantes aos interesses econômicos imediatos dos trabalhadores para neutralizar a sua luta política, na hegemonia regressiva neoliberal o que a burguesia implanta é uma política de supressão de direitos trabalhistas e sociais. A burguesia avança contra direitos e interesses elementares dos trabalhadores e, apesar disso, consegue, em parte, neutralizá-los. Isso é aparentemente um paradoxo. Para explicá-lo, é necessário voltarmos a considerar o período do Estado desenvolvimentista e populista.
É necessário destacarmos, agora, os limites estreitos do desenvolvimentismo e do populismo. Aquele modelo, como indicamos anteriormente, se representava um grande avanço em relação à política social da República Velha (1894-1930) e se ainda representa uma situação mais favorável para o trabalhador que a situação presente criada pelo neoliberalismo, aquele modelo, nós dizíamos, desenvolveu, apesar de tudo, uma política de inclusão social restrita e segmentada. Até 1962, os trabalhadores rurais permaneceram fora da legislação social. Ao longo dos anos 70 e 80, quando a migração interna transferiu a população do campo para a cidade, um grande e crescente contingente de trabalhadores recém chegados ao mercado urbano passou a trabalhar “sem carteira assinada”, isto é, não lograram inserir-se em relações de emprego formais e permaneceram, portanto, sem direitos sociais. É por isso que estamos dizendo que a cidadania social no Brasil é restrita. Ela sempre excluiu um número muito grande de trabalhadores. E ela é, também, segmentada, porque, dentre os trabalhadores que nela estão incluídos o acesso à educação, à moradia, ao saneamento, à aposentadoria, às condições de trabalho etc. é muito desigual. Essa cidadania restrita e desigual, que ofereceu aos trabalhadores brasileiros um arremedo de Estado de bem-estar, é uma herança perversa do Estado desenvolvimentista e do populismo. Pois bem, essa cidadania restrita e desigual foi gerando, ao longo do tempo, uma revolta difusa dos trabalhadores preteridos pelos direitos sociais, revolta essa que não foi vocalizada na cena política e que foi negligenciada pela esquerda brasileira, porque parte dessa se encontrava, e infelizmente ainda se encontra, ideologicamente comprometida com o modelo populista e desenvolvimentista. Por muitos anos, os trabalhadores preteridos por esses direitos nutriram a expectativa de serem beneficiados dentro daquele modelo. Mas, no final dos anos 80 e início dos anos 90, a frente burguesa neoliberal começou a explorar de uma perspectiva reacionária essa frustração histórica. E obteve grande sucesso nessa empreitada que visava confiscar, para um objetivo reacionário, uma revolta popular legítima.
Todos estão conscientes da mistificação da grande imprensa burguesa e do governo quando, para combater direitos dos trabalhadores, apresentam-nos como privilégios. Espero que a análise acima contribua para elucidar porque essa operação de mistificação é bem-sucedida. A não ser que respondamos com uma crítica progressista e socialista a tais desigualdades, o terreno permanecerá aberto para a exploração reacionária dessa situação. A conclusão prática que retiro disso, é que precisamos fazer uma defesa ativa dos direitos e serviços ameaçados pelo governo. Fazer a defesa significa não ceder em nada: nada de rebaixar as aposentadorias, nada de pagar mensalidades na universidade pública, nada de abrir mão de normas do direito do trabalho estabelecidas na CLT. Porém, se essa defesa é ativa, isso significa que, ao mesmo tempo que defendemos os direitos e serviços sociais, devemos pleitear a sua mudança e ampliação. Se não fizermos isso, estaremos aceitando, por omissão, a exclusão de grandes massas de trabalhadores de tais direitos e, portanto, deixando para a reação explorar livremente a legítima frustração desses trabalhadores. Temos de defender, então, a democratização de tais direitos e serviços.
Vejamos alguns exemplos de aplicação dessa linha de defesa ativa dos direitos sociais. Não é possível defender de fato a universidade pública sem, ao mesmo tempo, lutar, nos atos e não apenas nas palavras, pela sua expansão, de modo a incluir em suas salas de aula uma grande parcela da juventude brasileira, principalmente os jovens de origem popular. Se a universidade pública continuar sendo uma universidade de uma ínfima minoria, ela permanecerá social e politicamente isolada e poderá perecer. (Eu disse uma minoria, mas isso não significa que essa minoria seja elite econômica. As pesquisas mostram que os estudantes da universidade pública são, sem dúvida, uma elite intelectual com um aproveitamento escolar muito acima da média. Mas, no que respeita à sua condição econômica, a situação é mais heterogênea e, de qualquer modo, muito diferente daquela pintada pela imprensa e pelos governos neoliberais. No Estado de São Paulo a renda média dos estudantes das universidades privadas é superior à renda média dos estudantes da universidade pública; nas universidades federais, três quartos dos estudantes pertenciam, segundo dados de 1995, a famílias com renda per capita inferior ou igual a dois salários mínimos. Para uma família com quatro pessoas, isso representaria, hoje, uma renda familiar total inferior ou igual a R$1.600,00.) Uma linha parecida pode ser pensada para a previdência social. Não podemos admitir nenhuma reforma que tire direitos na previdência. Porém, se quisermos garantir esses direitos, temos – o movimento sindical, os partidos de esquerda - de apresentar um programa amplo de previdência pública por repartição que inclua todos os trabalhadores brasileiros num sistema de aposentadoria digno. A aposentadoria digna desse nome não poderá sobreviver se continuar confinada, como se fosse um privilégio, aos funcionários públicos. Em suma, se o neoliberalismo utiliza o caráter restrito dos direitos sociais para desacreditá-los e suprimi-los, nós devemos, para garantir a sua continuidade, lutar pela sua ampliação.
Encerremos com um rápido balanço. A situação é muito complexa e dinâmica.
A unidade política da burguesia em torno do neoliberalismo continua existindo, mas está apresentando, no decorrer da campanha eleitoral de 2002, sinais de que está começando a trincar. Fatores como a crise econômica e política da Argentina podem reforçar essa tendência ao rompimento da unidade burguesa, porque tais fatores lançam dúvidas sobre a eficácia e solidez do modelo econômico neoliberal como padrão adequado de acumulação de capital. Hoje, alguns aspectos secundários da política neoliberal são motivo de polêmica entre a própria burguesia. No terreno político, tampouco a situação latino-americana é tal que possa sossegar a burguesia brasileira. A derrota do movimento golpista na Venezuela e a volta de Hugo Chavez ao poder revelaram que os neoliberais e o governo norte-americano podem ser derrotados. No que respeita ao movimento popular, esse acumulou forças. Os trabalhadores têm resistido, demonstram sua insatisfação e isso tudo começa a repercutir no plano eleitoral. Já vimos isso nas eleição municipais de 2000 e estamos, de novo, vendo algo parecido nesse mês de abril, no decorrer da campanha para a eleição presidencial de 2002. Mas, nós não podemos omitir que o neoliberalismo logrou atrair parte do movimento popular (Força Sindical), conseguiu fazer com que outra parte começasse a hesitar em combatê-lo (CUT) e está conseguindo também interceptar os laços de simpatia e apoio com que contavam movimentos mais ousados e combativos como o MST. Essa situação complexa se explica pelo fato de os neoliberais saberem explorar, com objetivos reacionários, a herança perversa legada pelo desenvolvimentismo e pelo populismo.
É nesse quadro complexo que os trabalhadores em educação devem inserir a sua luta por um novo sistema educacional, democrático, público, laico e gratuito, e pela valorização profissional dos trabalhadores em educação. Para tanto, devem procurar unificar, em primeiro lugar, o seu próprio movimento. Superar os particularismos que ainda dividem o seu movimento sindical, buscar uma organização a mais ampla possível. Por que não começarmos a pensar em uma grande federação nacional da educação, que reúna o setor público e o privado, e os professores com os  demais trabalhadores em educação? Os trabalhadores em educação devem, ao mesmo tempo, procurar unificar a sua luta com a luta dos demais trabalhadores contra o modelo capitalista neoliberal periférico.
A crítica da ideologia meritocrática e a unificação da luta dos trabalhadores
A reflexão sobre a necessidade de unificar a luta dos trabalhadores nos leva de volta ao começo, aos próprios termos do título da nossa palestra.
Esse título foi proposto pela comissão organizadora do IV Coned e fala em trabalhadores e trabalhadoras na educação. Essa não é uma expressão indiferente e não deve passar despercebida. Falar em trabalhadores em educação significa situar-se no tempo histórico presente e num terreno político progressista. A idéia segundo a qual professores e os funcionários técnicos e administrativos da educação são trabalhadores é uma idéia muito recente. Ela se fortaleceu apenas no decorrer dos últimos vinte e cinco anos - digamos, a partir da crise da ditadura militar.
Até o final da década de 1970, os professores e os funcionários técnicos e administrativos do sistema educacional sequer se viam com trabalhadores. A introdução do sindicalismo no setor educacional e o avanço das organizações e partidos de esquerda entre os professores e na política brasileira em geral que lograram - graças a uma luta prolongada e ainda não terminada - fazer com que professores e funcionários passassem a se ver como trabalhadores. Isso representou um grande avanço, embora ainda seja um avanço incompleto - todos sabem que muitos professores, principalmente no meio universitário, ainda relutam muito em se pensar com parte integrante das classes trabalhadoras.
Até os anos 60, a maior parte dos professores e demais funcionários da educação mantinham-se à margem do movimento sindical, um movimento que eles olhavam de fora e de longe e de um modo um tanto depreciativo. Esses professores e funcionários gozavam de uma relativa segurança material, de emprego estável, e de um certo prestígio social. A essa situação de trabalho correspondia, principalmente entre os professores, o apego àquilo que poderíamos denominar a ideologia meritocrática, a ideologia segundo a qual a sociedade está hierarquizada em camadas, compostas por indivíduos cuja renda e cujo prestígio desiguais refletiriam os dons e os méritos, também desiguais, desses indivíduos. A ideologia meritocrática é uma ideologia porque ela falseia a realidade, atribuindo aos dons e aos méritos individuais aquilo que decorre da posição de origem de cada um na estrutura de classes, e porque, ao falseá-la, o faz no interesse de um segmento social em detrimento do interesse de outros segmentos. A ideologia meritocrática justifica e legitima a hierarquia salarial que beneficia o trabalho não-manual em detrimento do trabalho manual. Caberia pergunar o que exige mais dons e mais esforços pessoais: tornar-se um engenheiro, tendo nascido numa família burguesa paulistana, ou tornar-se um torneiro mecânico, tendo nascido numa família de camponeses pobres do sertão nordestino e migrado em pau-de-arara para São Paulo?
Esse meritocratismo, os professores, até os anos 60, o assumiam amplamente e, é preciso dizer, o assumiam na sua versão mais elitista, isto é, na sua versão radicalmente individualista. Era isso que os afastava do sindicalismo e os levava a depreciar esse movimento. Cada professor e cada funcionário técnico e administrativo, usufruindo, de fato, condições de trabalho e situação social superiores às dos trabalhadores manuais, via-se como um indivíduo singular, dotado de dons e méritos próprios, e esperava obter uma ascensão social individual, fazendo valer os seus dons e os seus méritos. A luta sindical dos demais trabalhadores era vista como um movimento apropriado apenas para os trabalhadores manuais que, segundo a versão radicalmente individualista da ideologia meritocrática, teriam que compensar a falta de dons e de méritos individuais com a organização e a luta coletiva; teriam de usar a força para compensar a falta de méritos. Em poucas palavras, o individualismo meritocrático, elitista e divisionista, é contraditório com a organização e a luta sindical, que é uma luta coletiva dos trabalhadores em geral, manuais ou não-manuais. Esse meritocratismo radicalmente individualista afastava os professores e demais funcionários desse movimento.
Pois bem, a partir do final da década de 1970, a luta sindical, que é uma luta coletiva pela melhoria coletiva dos trabalhadores, essa luta representou um grande avanço para os professores e os funcionários técnicos e administrativos da educação. Ela aproximou os trabalhadores do ensino dos demais trabalhadores brasileiros e funcionou tanto como instrumento da luta reivindicativa, quanto como grupo de pressão para obter medidas mais progressistas de política educacional. É sabido que as condições de vida e de trabalho da maioria dos funcionários da educação pioraram nos últimos anos. Seria possível demonstrar que essa piora teria sido muito maior não fosse a luta sindical. O fato é que os trabalhadores da educação são, hoje, e graças em boa medida ao sindicalismo, uma realidade no Brasil.
Porém, não convém idealizarmos a nossa própria situação. Os trabalhadores em educação são um setor muito diversificado das classes trabalhadoras, com condições de trabalho e com níveis de remuneração muito heterogêneos. O sistema educacional brasileiro é um sistema bifronte que abriga, como se sabe, dois ramos escolares distintos: um amplo e crescente setor privado e um grande setor público em dificuldades. No interior de cada um desses dois grandes setores ou ramos, existem outras clivagens: instituições privadas geridas por fundações ou por diretores ou reitores proprietários, instituições públicas federais, estaduais ou municipais e assim por diante. Ademais, permanece um certo atraso ideológico. Mesmo que isso nos incomode e perturbe, é necessário refletirmos sobre tal atraso, para conhecermos os limites e dificuldades de nossa luta e podermos traçar um plano sobre aquilo que ainda falta para avançar. O sindicalismo não logrou superar todas diferenças existentes entre os trabalhadores da educação. Pelo contrário, é preciso ter coragem e reconhecer que o sindicalismo até reforçou algumas delas. Alguns particularismos provêem da diversidade econômica e jurídica das instituições de ensino: por exemplo, os professores da rede privada estão sindicalmente separados dos professores da rede pública, os professores das instituições federais estão separados dos professores das instituições estaduais e assim por diante. Outros particularismos têm a ver com a persistência de um meritocratismo transformado, atualizado, não mais radicalmente individualista, mas, agora, de tipo profissional ou sindical.
Todos nós sabemos que, no terreno organizativo, a organização sindical dos professores é, em quase todos os níveis, setores ou regiões, constituída à parte, separando os professores dos demais funcionários em educação. No terreno da ação sindical, é possível a luta unificada e ela existe com força cada vez maior. As campanhas salariais, por exemplo, são encaminhadas de modo cada vez mais unificado. Mas, todos sabem que ainda persistem dificuldades quando se procura unificar a luta desses dois segmentos de trabalhadores da educação. Tampouco se obteve, e na verdade mal se tentou, a fusão dos sindicatos e associações dos professores do ensino universitário com os sindicatos e associações dos professores do ensino fundamental e médio. São os professores, e entre eles os professores universitários, os que mais se apegam a todas essas segmentações e hierarquias organizativas que isolam os professores dos demais funcionários, os professores do ensino universitário dos professores do ensino médio e fundamental e assim por diante. Por que é assim? Porque, embora muitos professores tenham se libertado da versão mais atrasada do meritocratismo, que é o individualismo meritocrático radical, não se libertaram do meritocratismo em geral; na verdade, eles o  transformaram de modo a lhe dar um conteúdo novo, configurando-o, agora, como uma espécie de meritocratismo de profissão. A apologia ideológica (mistificadora e interessada, conforme indicamos) dos dons e méritos individuais foi deslocada para a apologia, também ideológica, e, portanto, também mistificadora e também interessada, dos dons e dos méritos da profissão. É por isso que o sindicalismo dos trabalhadores da educação e, na verdade, dos trabalhadores “de classe média” em geral padece e se ressente do corporativismo do sindicalismo profissional.
Uma coisa é o trabalhador enaltecer a importância do seu trabalho. Quem trabalha pode e deve faze-lo. E deve faze-lo com orgulho e firmeza para se diferenciar dos que vivem de renda, da propriedade e, sem exceção e mesmo que indiretamente, da exploração do trabalho de terceiros. Porém, outra coisa é o intento de diferenciar, ainda que subliminarmente, entre os diferentes tipos de trabalho e de trabalhadores aqueles que seriam mais importantes e que exigiriam mais dons ou esforços individuais. Não estaríamos incorrendo nessa diferenciação condenável quando afirmamos – o que ocorre, felizmente, cada vez menos – que “as professoras estão ganhando menos que uma empregada doméstica”? que “os professores estão ganhando menos que os motoristas de ônibus”? Como provocação, poderíamos perguntar: o que estamos, realmente, pretendendo? Aumentar o nosso salário ou diminuir o salário de outros segmentos, de modo a preservar, como manda a ideologia meritocrática, uma “justa superioridade” salarial e profissional dos docentes? Nossa profissão é tão importante quanto todas as demais e, de qualquer modo, se se detectasse alguma diferença de importância entre as profissões, ainda restaria por demonstrar que tais diferenças deveriam ser reproduzidas no plano da remuneração. Essa é a luta ideológica que devemos enfrentar para completar, digamos assim, o processo de unificação interna do nosso movimento sindical e aproximá-lo cada vez mais e de maneira cada vez mais sólida da luta geral dos trabalhadores brasileiros, sejam eles trabalhadores manuais ou trabalhadores intelectuais.
__________
Este texto é o desenvolvimento do roteiro da conferência proferida pelo autor no Grande Auditório do Centro Anhembi, em São Paulo, durante o 4o Congresso Nacional de Educação (4o Coned).
ARMANDO BOITO JR.
Texto retirado do site: http://www.espacoacademico.com.br/



Brasil, campeão dos conflitos no campo

Em 2015, o Brasil foi o país com mais assassinatos de militantes ambientais, principalmente na Amazônia. Escalada de violência no campo marcou a semana passada com mortes no Mato Grosso do Sul e no Pará e ameaças aos Ka’apor no Maranhão

“Vivemos uma escalada da violência no campo e se o governo não implementar medidas como a criação de Áreas Protegidas e seguir enfraquecendo direitos indígenas e de populações tradicionais em nome apenas dos interesses econômicos, não há dúvida de que teremos mais vítimas”, afirma Márcio Astrini, coordenador de políticas públicas do Greenpeace Brasil. “Além dos crimes, há também o fator da impunidade. Os verdadeiros mandantes destes e de muitos outros assassinatos continuam livres e impunes. Isso funciona como um incentivo para que o Brasil siga como o país que mais derrama sangue devido a conflitos no campo”, completa Astrini.A cada dois dias, um ativista ambiental e defensor da terra é assassinado no mundo e, não surpreendentemente, o Brasil é o campeão desta estatística: 50 dos 185 assassinatos que aconteceram em 2015 se passaram no país. Segundo a organização Global Witness, disputas envolvendo o avanço de projetos de mineração, expansão do agronegócio e a construção de novas usinas hidrelétricas foram as principais causas das mortes. Não por acaso, são três frentes tidas como prioritárias para uma suposta agenda de desenvolvimento do governo brasileiro e que têm avançado com violações aos direitos humanos, além de mortes e insegurança para povos indígenas e aqueles que lutam para proteger o meio ambiente.
A semana passada foi marcada por confrontos e mortes em três Estados brasileiros. No Pará, o sargento João Luiz de Maria Pereira foi assassinado durante operação de combate ao desmatamento ilegal na Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim, em Novo Progresso. Já no Mato Grosso do Sul, um indígena Guarani-Kaiowá foi morto a tiros devido a um ataque de 70 fazendeiros na Fazenda Yvu, vizinha à reserva Tey'i Kue, no município de Caarapó. Outros seis indígenas foram hospitalizados com ferimentos de arma de fogo, inclusive uma criança de 12 anos.
E, no Maranhão, o povo Ka’apor da região da Terra Indígena Alto Turiaçú vive dias de tensão. Para impedir a invasão da área e a destruição da floresta, os indígenas realizam atividades de monitoramento e proteção do território de forma autônoma, o que tem incomodado fazendeiros e madeireiros. Segundo informações de organizações que apoiam a luta dos Ka’apor, esses planejavam atacar aldeias e não havia nenhuma providência sendo tomada pelos órgãos responsáveis pela segurança dos indígenas e do território.
Há uma semana, a equipe do Greenpeace realizou um sobrevôo na região da Terra Indígena Sawre Maybu e sobre as Flonas Jamanxim e Itaituba I e II e constatou que as atividades ilegais de exploração de madeira e de mineração seguiam no local.
“Dos 50 assassinatos registrados, 47 ocorreram na Amazônia, local onde a ilegalidade impera. Isso mostra que a falta de governança na região vitima, ao mesmo tempo, a floresta, seus povos e defensores”, afirma Astrini. “Mas o problema não está apenas nas áreas de conflito. Os ataques aos direitos indígenas, as tentativas constantes de enfraquecimento da legislação ambiental e propostas de retrocesso no licenciamento, tramadas hoje no Congresso, são exemplos de ações que nascem nos gabinetes refrigerados de alguns políticos e que alimentam diretamente esse triste quadro de violência no campo, formando um cenário sombrio para o futuro”, conclui Astrini.

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Urgências ambientais na mesa do novo Ministro

Entidades entregam agenda de ações imediatas ao Ministério do Meio Ambiente para evitar novos retrocessos na área ambiental

Um conjunto de ONGs que atuam na área ambiental se reuniu com o novo ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, para entregar uma carta com demandas sobre questões socioambientais do país e a agenda de enfrentamento da crise climática global.
 No documento estão presentes pontos como a reordenação da discussão em torno das mudanças propostas na legislação de Licenciamento Ambiental e o debate sobre as metas do Brasil para o clima. Neste último ponto, destaque para a necessidade de revisão da vergonhosa meta apresentada pelo país no combate à destruição florestal: permitir o desmatamento ilegal da Amazônia por mais 15 anos. Outro destaque do documento é sobre a não aprovação do licenciamento da usina Hidrelétrica do Tapajós, no estado do Pará.
Os assuntos tratados com o ministro, num total de cinco eixos, não resumem o conjunto de demandas socioambientais do país, mas revela algumas das agendas prioritárias do setor que necessitam de ação urgente e decisiva do Ministério do Meio Ambiente.
O encontro também é uma importante demonstração de retomada do diálogo entre o Ministério e a sociedade civil.